quarta-feira, 5 de maio de 2010

FÁBULA SOBRE O COTIDIANO



(Publicado no caderno ´Prosa & Verso´, do jornal ´O Globo´, em 24 de novembro de 2007)

Zusak conquista leitor com a história de um sujeito comum, entediado e boa praça

Eu sou o mensageiro , de Markus Zusak – Editora Intrínseca – 320 páginas – Tradução de Antônio E. de Moura Filho - R$ 39,90

Depois de “A menina que roubava livros”, sucesso estrondoso no mundo inteiro, o australiano Markus Zusak, que esteve presente na Bienal do Livro, volta às livrarias brasileiras com “Eu sou o mensageiro”, seu terceiro livro e escrito quatro anos antes de “A menina...”. Quem gostou de seu best-seller, não vai se decepcionar com esta fábula urbana sobre um sujeito que não consegue fazer nada direito e que recebe uma missão que vai mudar sua vida.

Ed Harris é um taxista, um sujeito comum, que tem “uma televisão que precisa de um tempinho para aquecer, um telefone que quase nunca toca e uma geladeira que fica fazendo um chiado que parece rádio fora de estação”. Além disso, na descrição minuciosa que o autor faz de seu protagonista, sabemos que ele se atrapalha com as mulheres, vive com um cachorro velho que adora tomar café, seu pai morreu de alcoolismo, a mãe o detesta e seu maior prazer é se reunir com os amigos para jogar baralho. Até que um dia ele dá uma de herói (ou anti-herói) num assalto a banco e logo em seguida recebe uma mensagem, escrita numa carta de baralho. E é aí que tudo muda.

Zusak pontua seu texto com frases curtas, que dão uma dinâmica à narrativa bem construída em torno do suspense das mensagens misteriosas e de quem as teria enviado. No início, o excesso de acontecimentos e de diálogos inusitados causa uma certa estranheza, mas com o tempo a fábula vai dominando a história e envolvendo o leitor. O autor mistura humor com momentos de sensibilidade e solidariedade, o que faz deste livro uma obra de um otimismo contido e agradável, embora a melancolia esteja sempre à espreita. “Ali está minha mãe, 50 anos na cara, andando pela cidade com um cara – enquanto eu estou aqui sentado, na flor de minha juventude, completamente sozinho.

Mas a empatia que Zusak consegue criar entre leitor e personagem é o seu maior mérito. Ed Harris é um homem comum, um personagem urbano solitário e entediado, mas gente boa, daquelas pessoas que não querem fazer mal a ninguém e que nunca conseguem dar a guinada, o passo à frente em suas vidas, acabando por se entregar à rotina. “Fiquei meio deprê ao pensar que um ser humano pudesse ser tão solitário a ponto de se consolar com a companhia de utensílios domésticos que apitam e de se sentar sozinho pra comer”.

Já deu para perceber que, assim como em “A menina que roubava livros”, por trás do humor, do inusitado e de uma certa leveza há profundos questionamentos nos livros deste autor. Se lá era a Morte que contava a História, aqui o protagonista não apenas muda a vida das pessoas, mas ele próprio vai se transformando em algo melhor, mesmo que de uma forma confusa. Sem querer passar nenhuma mensagem do tipo “moral da história”, Zusak nos faz enxergar o óbvio de que o auto-conhecimento é a primeira condição para darmos um passo à frente. E muitas vezes esse auto-conhecimento só surge quando buscamos um outro tipo de relação com o outro, quando saímos da poltrona em frente à TV, da comida artificial requentada no microondas e da rotina enfadonha.

No caso de Ed Harris, sua vida depende muito dos amigos fiéis, pessoas como ele, que se refugiam em pequenos prazeres, não têm muito dinheiro nem planos mirabolantes para a vida, que está “toda estruturada neste beco sem saída e sem futuro”. Mas as cartas mostram que está na hora de enfrentar tudo, mesmo sem saber o quê nem como. Oportunidade é a palavra-chave desta história, o momento em que ela passa, espera um pouco e se não for aproveitada vai embora sem bilhete de despedida nem promessa de voltar.

As mensagens nas cartas trazem missões para ele cumprir e adiantar o teor delas seria tirar um dos grandes prazeres deste livro. Não há nada, no entanto, próximo daquelas tramas mirabolantes repletas de um suspense artificial e de final previsível. Como disse, é uma fábula, e portanto é bom estar preparado para o inusitado. Afinal, não há quem não queira uma pequena ajuda externa para dar um rumo em suas vidas, seja de uma fada madrinha ou de um anjo torto como Ed Harris.

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