quarta-feira, 5 de maio de 2010

PODER PITORESCO NO CATETE


Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em nove de agosto de 2008)

Livro de Isabel Lustosa sobre episódios divertidos de presidentes ganha reedição

“Histórias de presidentes – A república no Catete (1897-1960) – Isabel Lustosa – Editora Agir – 296 páginas – R$ 39,90

Uma das recomendações da esposa do presidente Campos Sales, que estava saindo do poder, para a filha mais velha do novo presidente Rodrigues Alves era sobre a lavagem de roupa suja (literalmente) no Palácio do Catete, então sede do poder. D. Catita deveria “começar lavando a roupa fora até poder ajuizar por si mesma se convém fazer esse serviço em casa” e recebia a indicação de uma lavadeira muito séria, pontual e que “lava e engoma bem”.

O que parece uma amena conversa de comadres no distante ano de 1902 era, na verdade, uma importante recomendação na passagem do mais alto cargo do Brasil republicano, que de 1897 a 1960 foi representado no Palácio do Catete, na Zona Sul do Rio, tema do primeiro livro da historiadora Isabel Lustosa, lançado em 1989 para marcar os cem anos da república no país e que é relançado agora.

O que torna o texto leve e bastante espirituoso, apesar de a autora não descuidar do conteúdo, é que há bastante espaço para o acervo de revistas como “O Malho”, “D. Quixote”, “A bruxa” e “O tagarela”, nas quais nomes como Angelo Agostini, J. Carlos e Raul Pederneiras usaram seus inspirados bicos de pena para traduzir de forma divertida, criativa e muitas vezes acompanhada de rebuscamento literário a situação política do país. “O atual presidente é Prudente de Morais...uma pergunta ´prudente´: Demorais?”

No retrato que faz dos governantes que passaram pelo Catete, todos adornados com seus respectivos, e nem sempre respeitosos, apelidos, Isabel Lustosa, que também se valeu de muitos livros, jornais, marchinhas de Carnaval e depoimentos de outros historiadores, ressalta também o aspecto rigoroso de muitos desses presidentes no trato com o dinheiro público. O serviço doméstico, no palácio, durante um bom tempo foi custeado pelo presidente. Venceslau Brás, que governou o país de 1914 a 1918, pediu um corte de 50% no seu salário e conseguiu 20%. O mesmo Venceslau que tinha uma notória fama de pão-duro, tanto que ganhou do poeta Emílio de Meneses este “epitáfio em vida”: Morrendo verificou estarem dez velas acesas/Levantou-se, reclamou: Parcimônia nas despesas!”

O Palácio do Catete, que teria no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, descrito com detalhes pela autora, seu momento mais trágico, vai deixar de ser o principal cenário do Brasil republicano em 21 de abril de 1960, quando Juscelino Kubitschek inaugura a nova capital, Brasília, e o Palácio do Planalto. JK, aliás, rompe o aspecto meio que provinciano de se governar do Palácio do Catete, já que inaugurou o “estilo aéreo” de governar e passou boa parte do seu mandato viajando pelo Brasil. Mas mesmo assim, quando estava no Catete, na hora do almoço, não deixava de pedir sua marmitinha da d. Etelvina com a simples e tradicional comida mineira. Mais caseiro que isso, impossível.

A autora acerta ao enfatizar situações que vão causar uma inevitável comparação com os dias atuais, em que o poder presidencial está longe demais do povo, tanto física quanto emocionalmente. “Não se juntarão mais diante dos portões os manifestantes, não sofrerá mais a ameaça dos canhões quando estourarem as revoltas”. Naquela época, o chefe de Estado ficava mesmo era no palácio despachando, de onde muitas vezes o povo podia vê-lo numa das suas muitas janelas e aos domingos encontrá-lo num passeio com a família pela Praia do Flamengo – ainda bem antes do aterro.

Desta forma, o livro acaba provando que, apesar das roupagens e dos cenários diferentes, o poder e seus representantes acabam se manifestando sempre da mesma forma. A maior prova disso é o lema do presidente Nilo Peçanha, em 1909? “Paz e amor”. Qualquer semelhança com o “lulinha paz e amor” do atual presidente, com certeza, não será mera coincidência.

1 Comentários:

Às 26 de maio de 2016 às 19:16 , Blogger Adinalzir disse...

Um artigo muito interessante sobre um local tão importante da nossa cidade. Aprendi a gostar do bairro do Catete por ter trabalhado lá e percorrido muito suas ruas nas décadas de 1960 à 1980. Foram anos de muita vivência e experiência com fatos e pessoas que moravam nesse lugar.

 

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