terça-feira, 15 de setembro de 2009

O DUELO QUE MUDOU A HISTÓRIA


(Publicado na revista "Sênior", em outubro de 2001)
O duelo Churchill x Hitler - 80 dias cruciais para a Segunda Guerra Mundial
Jorge Zahar Editor - Tradução: Claudia Martinelli Gama - 244 pg - R$ 28,50

Hitler ria pouco, era extremamente frio e não deixava que o vissem de roupa de dormir ou de óculos. Já Churchill era bem-humorado, tinha fama de instável, excêntrico e não se importava com a fama de bêbado. Muito mais do que os interessantes detalhes da vida íntima destes dois mitos do século XX, John Lukacs mostra como durante quase três meses eles centralizaram a atenção não apenas de seus povos, mas do mundo todo.

Estes “80 dias cruciais para a Segunda Guerra Mundial” vão de 10 de maio de 1940 – quando Hitler iniciou a invasão da Europa ocidental e Churchill tornou-se primeiro-ministro britânico – a 31 de julho, data na qual o líder nazista começou a pensar seriamente numa invasão à União Soviética e os americanos passaram a ajudar os britânico de forma mais efetiva. Tudo isto antes da frustrada operação “Leão Marinho”, a tentativa alemã de invadir a Inglaterra e sobre a qual Churchill proferiu a famosa frase “nunca tantos deveram tanto a tão poucos”, referindo-se aos heróicos pilotos da Força Aérea Real (Raf).

O detalhismo de Lukacs, escritor húngaro radicado nos Estados Unidos desde 1946, revela o estado de ânimo dos dois líderes durante o período citado, mantendo o distanciamento suficiente para fazer um retrato mais fiel de quem foi Adolf Hitler. “Todos os relatos do ditador espumando pela boca, jogando-se sobre o tapete e mastigando-o com uma fúria insana são falsos. O contrário é que era verdade”. Para Lukacs, o “distanciamento frio e quase inumando” de Hitler é que era assustador.

O livro também fornece dados sobre a movimentação de grupos que apoiavam o nazismo dentro da Inglaterra e dos Estados Unidos, mostrando como alemães e britânicos estiveram muito perto da paz. Quem imagina a figura do líder nazista como um homem que desejou conquistar o mundo vai se surpreender ao perceber que ele, no fundo, não queria o conflito com britânicos e americanos. “A América para os americanos, a Europa dominada pelo Terceiro Reich, o Império Britânico em grande parte intocado”.

Hitler queria, acima de tudo, consolidar as conquistas na Europa e depois se voltar contra os soviéticos, mas Churchill, receoso do que poderia advir de uma Europa dominada pelo Terceiro Reich, afirmou: “Nações que caíram lutando se ergueram de novo, mas as que se renderam docilmente foram liquidadas”. O duelo tratado no livro era, acima de tudo, o do ótimo escritor que era Churchill, daí tantas frases que entraram para a História, contra o orador que entusiasmava multidões.

Lukacs, além de escrever bem e de ter feito uma excelente pesquisa num assunto já bastante discutido, é um pensador político. “A força mais importante do século XX foi o nacionalismo”. Ele corrige o erro histórico de se considerar Hitler um reacionário, pois Churchill sim é que era a “encarnação da resistência de um mundo antigo, de liberdades antigas, de padrões antigos, contra um homem que encarnava uma força que era assustadoramente eficiente, brutal e nova”. Para o autor, “Adolf Hitler foi o maior revolucionário do século XX”.

Entre os fascinantes detalhes deste livro, está o tiro de um velho canhão norueguês que pode ter mudado a História, o ataque britânico a navios franceses que resultou na morte de 1250 marinheiros e o dia em que Hitler, aos 14 anos, ouviu Wagner e sentiu que o “seu destino era ajudar a elevar o povo alemão às maiores alturas”. Lukacs, que já tinha abordado o ditador nazista nos livros “Cinco dias em Londres” e “O Hitler da História”, reclama mais pesquisas sobre o líder estadista, que promoveu um enorme crescimento industrial na Alemanha nos anos 30 e ainda anexou diversos territórios sem disparar um tiro.

O escritor mostra como nos ensolarados dias do verão europeu de 1940 o gênio político e militar de Hitler era exaltado em todo o mundo. "Os alemães das futuras gerações honrarão Herr Hitler como um gênio, um homem corajoso, um organizador incomparável e muito mais". A entusiasmada frase foi publicada em um jornal indiano logo após a queda da França por ninguém menos do que Ghandi, talvez o maior símbolo da paz no século XX.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

GORE VIDAL MOSTRA QUE É O MESMO


(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em 14 de julho de 2001)

´A era dourada´ não é uma obra-prima mas exibe um texto ainda primoroso

A era dourada
, de Gore Vidal. Tradução de Paulo Reis. Editora Rocco, 512 páginas. R$ 41

O que ainda se pode esperar de Gore Vidal? Aos 75 anos, remanescente de uma brilhante geração de escritores americanos do pós-guerra, que ainda inclui Norman Mailer, John Updike e Saul Bellow, entre outros, ele se assemelha a um jogador de futebol veterano. Ou seja, não faz exibições soberbas, mas ainda é capaz de boas partidas de exibição, como é o caso de “A era dourada”, último livro da série “Narrativas do Império”.

Ou seja, já dá para desconfiar que não é uma obra-prima, mas repassa a história americana com boas doses de ironia e polêmica, como “Lincoln” e “Burr”, outros livros das “Narrativas”. A história se passa no período que vai da Segunda Guerra Mundial à Guerra da Coréia, quando os americanos, sobre os escombros do III Reich de Hitler, iniciaram o seu império.

Obra mistura personagens
reais e fictícios


O ponto central do livro é o ataque japonês à base americana de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, dia que ficou conhecido como “da infâmia”. O nome foi dado pelo próprio presidente Franklin Roosevelt no discurso que fez no Congresso, quando conseguiu a autorização para declarar guerra ao Eixo.

Na “central de boatos” da capital americana, onde o escritor, neto de um senador, cresceu, a opinião era de que Roosevelt, considerado comunista pela direita reacionária e ameaçado por um golpe, sabia da iminência de um ataque japonês, mas deixou que ele acontecesse para forçar a entrada do seu país na guerra e garantir inéditos terceiro e quarto mandatos. “A guerra fora sempre a distração escolhida quando os líderes americanos não conseguiam pensar em nada melhor para fazer”.

Neste burburinho à sombra do poder, personagens reais, como o próprio Roosevelt e sua mulher Eleonora (que aqui aparece declaradamente lésbica) misturam-se a personagens fictícios, como Carolina e Peter Sanford, tia e sobrinho editores de jornais. Eles estão no centro das relações que também incluem o magnata da informação William Randolph Hearst, Cole Porter e vários atores.

A preparação de um documentário sobre a posição americana diante da guerra na Europa, antes do ataque, abre o livro e serve para mostrar, de forma detalhada, como os lobistas ingleses e nazistas agiam nos bastidores de Washington. Se 80% dos americanos eram contra a guerra, os ingleses, bombardeados e isolados do continente por Hitler, faziam de tudo para que o “primo rico” os ajudasse.

A ajuda veio, como se sabe, mas custou a passagem de bastão de um império já carcomido pelo tempo para outro. O autor mostra como a histeria comunista (alguns militares americanos eram a favor de que a guerra continuasse, contra os russos) forneceu os argumentos para a crescente militarização americana e o papel de polícia do mundo, mais atual do que nunca.

Há no livro excessivos detalhes de eleições primárias e um hiato inexplicável entre o ataque a Pearl Harbor e o fim da guerra. Seria interessante saber o que esse movimentado círculo de fofoqueiros dizia sobre o desenvolvimento do conflito e a crescente (e depois permanente) militarização americana.

Autor se vê como um
Shakespeare americano


O curioso é que o autor se inclui entre seus personagens, visto como um possível “Shakespeare americano”, jovem, esbelto e sensível. Diante do otimismo entre artistas e intelectuais do pós-guerra, que viam a iminência de um novo Renascimento, ele provoca: “Estou dizendo que nos demos incrivelmente bem como os caipiras do mundo ocidental. Não, nós temos que continuar burros.”

A sonhada era dourada, que poderia ser de paz após o maior conflito da História, termina com a Guerra da Coréia, que matou 30 mil soldados americanos. Daí a história dá um salto até 2000, quando Peter Sanford analisa o que se passou naquele período decisivo para a configuração política atual.

Mesmo quem não se interessa tanto pela história americana vai encontrar com o que se identificar no livro. Afinal, o texto de Gore Vidal, além de continuar primoroso, é a maior prova de que a classe política é o único elemento que mantém intacta suas características em qualquer parte do mundo. “Você precisa ser esperto para ser juiz, mas qualquer idiota pode chegar ao Senado”.