A COMÉDIA MUNDANA
("A comédia mundana", de Luiz Biajoni. Língua Geral. 480 páginas)
Faz seis anos chegou às minhas mãos para fazer resenha, aqui mesmo neste espaço, um livro que estava dando o que falar. Publicado apenas no site do autor, os originais já percorriam com sucesso os corredores de algumas editoras. Mas ninguém publicava. O motivo? Talvez o seu título: "Sexo anal - uma novela marrom", de Luiz Biajoni.
O livro, uma trama policial divertida e escrita no ritmo de um folhetim, mereceu uma avaliação elogiosa, apenas com algumas ressalvas que julguei fazer em relação à estrutura narrativa, mas ressaltando que a linguagem do livro fazia “O Doce Veneno do Escorpião”, de Bruna Surfistinha, parecer literatura infantil. Pelo que o próprio Bia, como o autor, morador da cidade paulista de Americana, é conhecido, a resenha acabou ajudando a afastar os falsos pudores e a obra abriu caminho para a carreira do escritor, bem representada nestas "três novelas policiais sacanas", que incluem o livro já citado e também os outros dois que lhe deram suquência: "Buceta - uma novela cor-de-rosa" e "Boquete - uma novela vermelha".
Nesse período, Bia também escreveu os livros "Virgínia Berlim - uma experiência" e "Elvis & Madona", baseado no roteiro do filme de mesmo, um caso de amor entre uma lésbica e um travesti passado em Copacabana em meio a muito sexo e violência, temas que também atravessam estas comédias mundanas. Vários personagens transitam pelas três histórias, entre eles Assis, o jornalista "das antigas", investigativo e corajoso, sempre em busca de uma matéria para desvendar as falcatruas dos poderosos locais.
Capítulos curtos, muitas tramas acontecendo ao mesmo tempo, ritmo dinâmico, o texto de Bia não só "segura" o leitor como provoca boas risadas devido ao inusitado de boa parte das situações. No final, tudo se encaixa, em todos os sentidos, afinal Bia não utiliza sexo e violência em suas histórias de forma gratuita, apenas para chocar, e sim como elementos fundamentais na vida de personagens que vivem isso na maioria das vezes como elementos de poder, ou mesmo na profissão. Em meio a cirurgias de hemorroida ou de reconstituição de hímen, de pessoas que levam uma vida sexual secreta, de matadores que cumprem suas funções como se estivessem batendo o ponto na repartição, ou mesmo em meio à descrição de relações sexuais com uma naturalidade desconcertante, o autor também consegue inserir trechos de pura ternura e amor sincero, o que dá um equilíbrio bem interessante às histórias. "Levantou e abraçou e beijou os dois - o beijo de uma filha, o mais sincero e afetuoso que pode existir".
No pequeno universo criado pelo escritor, o que sobressai é a verossimilhança com o Brasil, o país que tem como seu principal mal esta chaga chamada corrupção, que faz de grandes empresários cúmplices do poder e da violência algo extremamente banal. "A sociedade está toda corrompida, mas ninguém quer que essa corrupção desapareça: é uma corrupção que faz bem a todos". No meio do humor escrachado e de muito sexo, percebe-se uma crítica contundente à forma como é feita a política, mas sem um pessimismo exagerado, pois alguns personagens tentam empunhar a bandeira da ética, mesmo que para isso sofram ameaças e atentados.
Da mesma forma, Bia em nenhum momento abusa de clichês, apenas quando eles são necessários em momentos de humor. O retrato dos personagens é profundo. Assim o autor descreve com detalhes a rotina do matador de aluguel, que aguarda a lista de vítimas saboreando uma dobradinha com pururuca, dos profissionais do sexo, do delegado, da redação de um jornal, da prefeitura da cidade e das pessoas poderosas da cidade, e sempre dando características peculiares a personagens secundários, como o tímido Rafael, um policial que fica boa parte do tempo em casa arrumando sua coleção dos Beatles e se apaixona por Valéria, uma doce jornalista a quem ele oferece, um arroubo de romantismo, o único prato que sabe fazer, um miojo com manjericão desidratado e recheado com ervilhas em lata.