LIVRO QUE DECIFRA AS RUAS É RELANÇADO
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", do jornal "O Globo", em nove de dezembro de 2000)
O jornalista Brasil Gerson ampliou e reviu sua obra até morrer em 1981
História das ruas do Rio, de Brasil Gerson. Fixação do texto, introdução e notas de Alexei Bueno. Lacerda Editores, 600 páginas. R$ 42
Um padeiro da Praça Onze que colocou um escravo vivo no forno para castigá-lo, corridas de cavalo na enseada de Botafogo e touradas no Campo de Santana, lagoas com jacarés no centro da cidade...Ruas, becos e personagens que se perderam no tempo e foram registrados neste monumental trabalho de pesquisa de Brasil Gerson. O livro, relançado após 25 anos com notas e introdução do poeta Alexei Bueno, coloca o seu autor em pé de igualdade com os maiores historiadores da cidade, entre eles Luís Edmundo, Noronha Santos e Vieira Fazenda.
Este descendente de holandeses e noruegueses, chamado na verdade Brasil Görresen, nasceu em 1904, em Santa Catarina, e morreu no Rio de Janeiro, em 1981. Jornalista, conviveu com Rubem Braga, Jorge Amado e Di Cavalcanti. Filiado ao PCB, teve que se exilar durante a ditadura de Getúlio Vargas, em 1939, voltando ao Brasil em 1942, quando ficou preso por um ano. Além deste livro, no qual ele trabalhava na quinta edição quando morreu, Brasil Geron escreveu novelas, peças de teatro e o argumento do filme “A inconfidência mineira”. Como não poderia deixar de ser, é nome de uma rua na Taquara, em Jacarepaguá, bairro da zona oeste carioca.
Autor não se esquece
dos personagens comuns
O autor não se atém aos personagens mais famosos, embora seja fascinante saber quem foi a viúva do Morro da Viúva, o ouvidor da rua do Ouvidor ou que Machado que era esse que deu nome ao tradicional Largo. Ele fala também dos personagens comuns, que permitiram que tal logradouro tivesse características que se mantêm até hoje, como a importante rua da Quitanda, no coração financeiro da cidade, “por causa da quitanda do marisco e outras comidas no seu encontro com a Alfândega”.
Além disso, outro mérito de Brasil Gerson é não ficar restrito ao centro, Zona Sul e Zona Norte da cidade, como faz a maioria dos historiadores. Ele vai longe, muito longe, passa por todos os subúrbios e chega até Sepetiba, no extremo oeste do Rio, e nos conta, por exemplo, que o bairro de Santa Cruz ainda possui o único hangar de dirigíveis Zeppelin do mundo, rota obrigatória dos mais importantes veículos deste tipo nos anos 30, como o Hindenburg, que acabou explodindo nos Estados Unidos
Esta quinta edição traz um índice onomástico e de logradouros, onde o leitor encontrará os personagens que andaram pela cidade desde sua fundação, há 435 anos, e os locais onde viveram momentos capitais de suas vidas. E conta ainda com um caderno de fotos raras, que pertenceram ao ex-governador Carlos Lacerda, mostrando, por exemplo, o interior da Cadeia Velha, onde os inconfidentes mineiros ficaram presos. O prédio foi destruído para a construção do Palácio Tiradentes. Na praça que leva o nome do mártir da inconfidência, é interessante notar a importância do antigo “rossio grande” (o pequeno era onde seria construída a Praça Onze), local em que se instalou o primeiro grande teatro carioca, O Real Teatro de São João, que depois pegaria fogo.
Entre as dúvidas no ar, a
razão do nome do Rio
Como em toda pesquisa séria, Brasil Gerson deixa várias dúvidas no ar, como o próprio nome da cidade, que teria sido dado em janeiro de 1502 por navegantes portugueses ao confundirem a entrada da Baía de Guanabara com a foz de um grande rio. Não importa. O grande mérito deste livro, para citar outro amante da cidade, João do Rio, é fazer com que seus leitores prestem mais atenção na "alma encantadora das ruas".